segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

10.
Estimado primo,

Espero que esta missiva te encontre a ti e ao teus… que te encontre ao menos já basta.
Desde que partiste as coisas por cá continuam iguais, as mesmas como as lesmas, mas com um copo vazio e bafiento à tua espera, sabes bem qual é, aquele do Sumol, verde e com borda lascada em que adoravas beber o tinto de caixa de cartão e em que cortavas o lábio de quase todas as vezes.

Confio, tenho a mais absoluta certeza de que apesar de estares longe da tua família e da calçada que tantas vezes lambeste e fez de ti a nódoa negra coriácea que és hoje e um ser humano bastante razoável, de que continuas a embriagar-te religiosamente como se o fim do mundo fosse já ali ao virar da esquina.

Nós por cá estamos todos bem, escusas de ficar em cuidados, não nos tem faltado o que comer e muito menos o que beber. De vez em quando o sol raia. Reluz nas mesas da esplanada, mesas novas estas agora, ainda sem história, sem cicatrizes, demasiado polidas ainda. Mas isso resolve-se, tudo se irá compor.

Toma cuidado meu primo com os rigores do Inverno dessa terra que agora adoptaste, não vão eles te apanhar desprevenido e em mangas de camisa numa das tuas expedições ao fundo do copo. Lembra-te que esses ossos são para serem devorados pelos vermes da pátria que te viu nascer e vomitar vezes sem fim.

Não te importuno mais primo, foi bom ter novas tuas. A tua família cá te espera.

À tua! Até breve.