terça-feira, 28 de abril de 2009

9.
Seguiam a mais de duzentos à hora sem capacete, de cabelo ao vento, agrafados ao sofá ao velho. Primos de álcool. Uns Três Duques alarvemente ébrios e destemidos a fugir dos maus.

“Nunca nos apanharão vivos, cabrões!” e outros clichés do género.

Duzentos e muitos, num sofá velho, a bater o red line é obra. A qualquer momento a coisa pode-se desconjuntar toda enquanto perseguimos a televisão com a imagem desfocada e as cores queimadas. O perigo é real. Quase, quase a capotar na curva da morte.

“CABOOOOOOMMMM!” – Hiroshima, Meus Neurónios.

A devastação pós-apocalíptica que sucede ao pequeno cogumelo de fumo que se formou dentro do cabeção é digna de um anime. Eles, os neurónios, pressentem o perigo, temem uns pelos outros. A viagem da ponta do nariz às profundezas do cérebro é veloz.

“Run Forrest, run…” – que te apanham, os vapores das coisas idiotas da vida.

É o Poço da Morte em patins. O bungee jump em elástico do economato. Daqueles grossos, claro.

Fugimos a alta velocidade da suburbanidade letal que ataca a plebe com sonhos de “picket white fences” mas sem as “picket white fences”, dos belos apartamentos, amplos de lindas vistas para a auto-estrada. E os acessos, ai os acessos… tudo ali tão perto.

“Daqui podemos ir para qualquer lado.” – asseguram, não indo a lugar algum.

“Passat por mim no Rossio”. Quase sempre cinzentas, passam por mim na domingueira voltinha dos tristes. Famílias inteiras a exibir o quão mais “cagalhões” são que os outros. A marcha é lenta, lenta.

Segundas, Quartas, Sextas lixo comum. Terças e Sábados plástico. Quintas papel. Domingos, avós, doentes e deficientes.

O Enola Gay aproxima-se perigosamente do nosso sofá prestes a desintegrar-se tal é a velocidade a que nos deslocamos, uma velocidade verdadeiramente próxima do ridículo. Observamos a bomba a cair em nossa direcção em câmara lenta. Aquele silvo, que só se ouve nos filmes de guerra.

“CAAAAABOOOOOOOOOOOOOOM!” – Hiroshima, Nagasaki. Do nosso veículo muito pouco suburbano nada resta, e dos Três Duques de vão de escada apenas restos que nenhum cão rafeiro se atreveria a comer.

“Amanhã é outro dia.”

“Amanhã há mais.”

“Boa noite!”

Sempre, sempre a duzentos e muitos, sem capacete e com o vento a bater nos cabelos já brancos.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

8.
Um Homem-Esplanada não tem medo, tem sede. Um Homem-Esplanada fica muitas vezes retido no trânsito, intestinal. Ninguém escapa ao intestino, não existe nenhum Houdini da merda, nenhum Luís de Matos da sanita. Existe também aquele momento Sherlock Holmes, aquele momento em que a tonalidade da prova produzida permite reproduzir com alguma exactidão o crime.

“Beer, wine, hard liquor blended together in a fine mixture of shit.”

Arrepio caminho agora que há menos trânsito. De volta a mil, nove, nove e quatro aprecia-se a “Parklife”, num shot etílico do mais asqueroso, pulo quinze anos para à frente em constantes capotanços, seguindo pela estrada de tijolinhos amarelos tropeço em “Girls and Boys” que em nove, quatro nem mamavam nas tetas suburbanas das suas mães.

“A felicidade é linda e é uma carrinha a diesel.”

Gosto de os ver espalhados pelo chão, como se fossem pequenos Joaquins Agostinhos que se espetaram de encontro a um cão. Sinto-me o oitavo anão da Branca de Neve, aquele que estava sempre demasiado bêbedo para ir trabalhar na mina e cantar cantigas de intervenção.

Tenho que comprar um anão, não sei para quê ainda. Hei-de lhe arranjar um propósito. Mas um anão pouco mais alto que dois rolos de papel higiénico empilhados um em cima do outro. Não gosto de anões muito altos.

Sinto-me como a bala na cabeça do Hemingway, velha e enferrujada. É o “Ai foda-se!” do Joaquim Agostinho antes de bater no alcatrão.

Caminho triunfante sobre as carcaças dos “Girls and Boys” espalhadas sobre a estrada de tijolinhos amarelos, como se fosse num qualquer filme de guerra dos oitenta, já com a imagem esbatida. Também eu estou esbatido mas não derrotado.