segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

3.
Há coisas que me fazem espécie, como as vacas loiras nórdicas ou as charolesas inglesas que se agrafam a pretos de tromba esburacada e ar podre em dias de torreira do Sol na Esplanada, a troco de uma ganza. Há coisas que me atrapalham, como ter as mãos desprovidas de álcool e tabaco. Nada me move contra os pretos. Se vierem atrás de mim fujo.

Na verdade gosto tanto de pretos como de brancos, amarelos, castanhos, azuis, verdes… Não gosto! É como gostar de velhinhas de guarda-chuva em punho quando chove. Não se gosta e podemos ficar seriamente feridos. E as “pessoas” nas compras de Natal? Essa corja.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

2.
“Estamos no bom caminho” – disse ele com toda a propriedade de um verdadeiro sidekick de super-herói enquanto limpava o vómito da capa cor de castanho litrosa. Os arranhões na cara denunciavam a luta feroz contra as pedras de calçada. Um vomitava, o outro mijava. Com a cabeça encostada na parede e de pernas afastadas tentava não se pingar com o mijo quente que fumegava enquanto escorria pela parede abaixo na noite gelada. O outro a dois ou a trinta passos de distância, sentado num poial cuspia os restos de arroz de feijão que acompanharam os jaquinzinhos fritos do jantar, enquanto tentava acender um cigarro. Dois passos dados para o lado esquerdo da poça de mijo limpa da mão aquele último pingo na máscara feita de um velho pano de cozinha tingido de “encarnado à Benfica”.

Sentados no poial, esfumaçam os últimos cigarros de uma noite da qual apenas já sobram os candeeiros das vielas ainda acesos, enquanto o dia clareia.

“Bom dia!” – diz a voz grossa que não é a de Deus.

“Bom dia…” – responde, enquanto se levanta desequilibrado e sacode o cú das calças e observa a figura que se encontra na porta com um portentoso bigode.

“Sabes, há dias em que mais vale um gajo nem ir à cama…” – diz, enquanto o outro se levanta atirando a ponta do cigarro para o meio das poças de mijo. A mistura do ar frio matinal e o cheiro a lavado do chão acabado de lavar da tasca fere-lhes as narinas.

“Ó Chefe! São duas… e duas bicas.” – pedem enquanto se encostam ao balcão.
1.
Cruzam os céus da Metrópole com as suas capas de destilados e fermentados, não querem salvar a Humanidade. Não querem ser salvos. Deus não existe, a inutilidade é uma inevitabilidade. A mesa de metal verde corroído de sessenta por sessenta é o seu casulo, onde se urdem planos de elevado grau etílico e se afagam as misérias.


“Estou cego! Não vejo!” – O Sol do fim de tarde cega-me, perfura-me as vistas. Mais um pouco e o gigante de pedra salvar-me-á da cegueira incandescente. Belo e doloroso é o brilho do Sol quase posto sobre um copo de imperial vazio. Mais uma! Nunca é só uma, nunca. Nem por uma única vez. A sina de um Homem-Esplanada é proteger a metrópole qual Cristo-Rei de carne e braços fechados.

É um camelo. É um Ratzinger. As coisas que se vêem nos pedaços de tinta solta do meu mapa-mundo verde enferrujado. Parecem pequenos choques de uma pilha de nove volts na língua os primeiros goles na imperial gelada que acaba de aterrar à minha beira. Um euro. Uma pequena fortuna, que nunca trocaria por uma litrosa morna e mais barata a dividir por doze “espécie-que-somos-bué-da-diferentes-e-alternativos-e-que-fazemos-ceninhas-com-bolas-e-fitas”. Alguns até com fogo. Excepto fazer algo de verdadeiramente impressionante como irromper em chamas. Um cão, dois cães, um arraçado de labrador, o outro rafeiro de camisa para fora, gravata lassa e litrosa na mão, um misto de jovem executivo sub-gerente de agência bancária de esquina com… Nada me resta no copo. Mais um euro. Nunca é sempre uma.

Adoradores do Sol espancam djambés freneticamente, como se o Sol nunca mais se voltasse a pôr. Pouco estranhos aromas povoam os ares. O Sol esconde-se por detrás do rendilhado dos casebres decrépitos da cidade, sendo substituído e pelo tom alaranjado dos candeeiros à antiga alimentados por lâmpadas economizadoras que fazem menos mal a um urso polar do que um flato de uma criança. O Sol desaparece por fim e a noite toma conta da ocorrência. O espancamento de djambés termina. Um certo alívio mistura-se com os aromas canabinóides que pairam sobre as nossas cabeças.
Dizem que a metrópole é uma bela cidade para se andar de bicicleta. Ímpios abstémios! Só mesmo quem nunca provou uma gota de álcool nas suas mais belas e múltiplas formas poderá afirmar tal barbaridade. O doce torpor das pernas, a visão enviesada, os ombros que acariciam as paredes. A Lua está cheia, o copo não.